A lentidão que pune

O tempo, quando se fala em Justiça, não é mero detalhe. A demora processual, muitas vezes naturalizada, converte-se em instrumento de punição antecipada. Não há sentença, mas há consequências. A morosidade do Judiciário, sobretudo no processo penal, corrói direitos e esvazia princípios constitucionais.


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A prisão que se alonga
No processo penal, a lentidão tem rosto: o do réu preso provisoriamente. Se o julgamento demora, a prisão deixa de ser cautelar e assume contornos de antecipação da pena. O que era exceção converte-se em regra silenciosa, subvertendo a lógica constitucional.

 
O tempo como pena invisível
Ainda que não haja prisão, o processo arrastado impõe custos: estigma social, dificuldade de trabalho, restrições de vida. É uma pena invisível, não prevista em lei, mas aplicada pelo simples fato de existir uma investigação ou uma ação em aberto.


O paradoxo da presunção de inocência

A Constituição garante que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado. Na prática, contudo, a espera por um julgamento (que deveria assegurar contraditório e ampla defesa) transforma-se em uma pena não declarada. O paradoxo é evidente: absolvidos pagam com anos de suas vidas antes mesmo de ouvir a palavra final da Justiça.

O cotidiano esquecido
Enquanto alguns julgamentos de grande repercussão recebem tratamento célere e excepcional, a maioria dos processos permanece à sombra da lentidão. São causas anônimas, vidas invisíveis que não encontram espaço no noticiário, mas que suportam o peso da espera indefinida.


A desigualdade da espera
A morosidade não atinge a todos da mesma forma. Quem possui recursos consegue, em alguma medida, suportar a lentidão. Já os vulneráveis sucumbem: perdem empregos, famílias, dignidade. O tempo da Justiça, assim, reproduz e aprofunda desigualdades.


A violência da normalidade
O mais grave é a naturalização desse quadro. A lentidão é aceita como inerente ao sistema, como se fosse inevitável. Porém, quando a morosidade se torna regra, deixa de ser problema administrativo: passa a configurar violência institucional, praticada em silêncio, dia após dia.


Um tempo que também julga
A democracia não se mede apenas nos julgamentos paradigmáticos do Supremo Tribunal Federal, mas no cotidiano dos fóruns espalhados pelo país. Justiça que tarda é justiça que pune sem sentença. E uma sociedade que tolera a lentidão como normalidade acaba por legitimar a injustiça como forma jurídica.

 



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Guilherme Pitaluga

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